terça-feira, 21 de julho de 2009

À espera.(ou Das vezes em que o desejo reprimia-lhe o pudor!)

De todas as vezes que seu corpo pedia fala, aquele era o mais frustrante. Os olhos ganhavam profundidade infinita demonstrada na pupila, as veias pulsavam pelo sangue que procurava um alento, o corpo suava como se quisesse expelir o desejo reprimido. Ouvia vozes. Sabia que eles estavam ali. Olhava o trinco fixamente, esperando mãos, bocas, dedos, falos. E tinha a certeza de ser ela, naquele momento, um pedaço do mundo ainda não descoberto por completo, mas usufruído em seus poucos e intensos momentos hedônicos. Seria essa a questão que lhe movia? Pensou. Ou algo que ia além dos sentidos. Além de culturas, de valores pessoais. Algo que talvez transcendessem seu pensar, seu agir ou a fisiologia do seu corpo. Corpo fino. Magro. Raquítico, diziam sempre. Mas ela gostava. Eram poucos músculos e isso nunca lhe incomodou. Era mais. Sim, era mais! Os outros não viam. Mas isso não a constrangia. Olhava o trinco fixamente. A espera lhe maltratava. Eram horas olhando para um mesmo ponto. Já chegou a percebê-los perto. Senti-los. Nunca tocá-los. Mas os pelos do corpo se sobressaiam na pele quando os percebia próximo a nuca. Sem toque, sem cheiro. Só o calor. Queria os ali, naquele momento. Entre suor e suspiro. Era amor. Sim. Porque para ela a união de corpos era mais romântica que as juras de amor. Aliás, sempre fugiu das juras de amor. Achavam-nas falsas. Os corpos não. Independente de onde e como fosse, era sempre amor. Naquele momento, na sua intensidade única, eles eram verdadeiros. Pele, unha, carne, ardência, gemido, amor. A comunicação entre os corpos. O discurso das carnes. Olhava o trinco fixamente. E seu corpo ainda pedia fala. Queria imperar exclamações. E afogar gemidos. Ouvia vozes.

TEIMOSIA

Sempre foi teimosa, desde a infância: quando na sala defendia que as meninas podiam sim ir de short pra escola, ou ainda na certeza de que ir para o sitio da amiga poderia fazer bem para toda a família, já que era danada demais e nunca ficaria sem fazer nada num domingo à tarde.

Sempre foi teimosa, até quando decidiu – contra toda a família – namorar um primo legítimo, que morava em sua própria casa e, assim, acabar perdendo a virgindade na mesma cama onde dividia espaço com bonecas e ursos de pelúcia.

Sempre foi teimosa; defendendo sua escolha na área de comunicação, enquanto todos esperavam, sonhavam e torciam pelo seu futuro na advocacia - "a juíza da mamãe!".

Sempre foi teimosa, principalmente quando, ainda adolescente, tomou uma das decisões mais importantes da sua vida até hoje e largou para trás um futuro previsível e uma provável família, de um casamento (in) feliz e (in) completo.

Sempre foi teimosa; o suficiente para arriscar a imagem, o nome, o "caráter", o amor da família, e a paz em um relacionamento de futuro (?) e de deliciosas e imprevisíveis histórias que poderia vir a ter com alguém mais tranqüilo (?), menos ciumento e mais seu (?).

Sempre foi teimosa, tanto que, mesmo com pé- na- bunda, choro no meio do povo, sexo sem compromisso e sem amor (?), insistia em ver ali um sentimento ainda não acabado (?), uma esperança ainda não perdida (?) e uma certeza tão exata quanto a matemática na numerologia.

Sempre foi tão teimosa que, mesmo depois de tantas lágrimas derramadas, tantos pedidos de calma, tantas rezas maternas e noites de exorcismo, resolveu arriscar mais uma vez e colocar seu amor à prova da felicidade tão almejada e idealizada em cada segundo da sua vida de mulher.

Sempre foi teimosa o suficiente para deixar de lado certezas formuladas (?) e acreditar que o que fazia era o melhor para si e para o seu amor, sentimento que, até então, a movia.

Sempre teve tanta teimosia e fé naquilo que acreditava, que lhe formava e que era parte de si, que mesmo diante do que se mostrava claramente não mais como o que sempre foi seu, insistia em ver no escuro a chama de uma vela ou ao menos a faísca de um isqueiro.

Sempre foi tão teimosa; que se tornou cega e, onde não havia mais planos, nem sonhos, nem palavras, nem convergência de sentimentos, nem crença naquilo que já era certo (?)... onde não mais enxergava a foto mais bonita; a camisa com símbolos; o quadro com flores; a música dançada na cama; a primeira noite em um motel; a primeira viagem juntos ou a primeira viagem a sós; os almoços em casa ou na rua; a certeza da eternidade juntos da Maria Clara e do Eduardo...

Sempre foi tão teimosa; que um dia cansou de teimar, nadar contra a maré, sempre morrer na praia e buscar o pote de ouro do fim do arco-íris. Mas ela não pode dizer que não valeu à pena. Valeram à pena muitas das coisas que viveu – porque foram intensas e viraram belas histórias.
E a teimosia? Bom, ficaram então, ela e a teimosia dela, guardadas; dando espaço pra outras teimosias, outras duvidas, outras histórias...